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Apologia do Niilismo


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Nossa posição em relação ao niilismo pode ser definida, segundo Nietzsche como a do ?niilista consumado?, que é aquele que compreendeu que niilismo é sua única chance.
Nessa acepção é idêntico ao definido por Heidegger: o processo em que, no fim, do ser como tal ?nada mais há?. Do próprio ser, ?esquecido?, mas não dissolvido nem desaparecido. Para Nietzsche, todo processo do niilismo pode ser resumido na morte de Deus, na ?desvalorização dos valores supremos?. Para Heidegger, o ser se aniquila na medida em que se transforma completamente no valor. Para Heidegger, parece haver um possível ? e desejável ? além do niilismo, enquanto, para Nietzsche, a consumação do niilismo é tudo o que devemos esperar e almejar.
Para compreender de maneira adequada a definição heideggeriana do niilismo e ver sua afinidade com a de Nietzsche, devemos atribuir ao termo valor, que reduz a si o ser, a acepção rigorosa de valor de troca. O niilismo é, assim, a redução do ser a valor de troca. Se seguirmos o fio condutor do nexo niilismo-valores, diremos que, na acepção nietzshiana-heideggeriana, o niilismo é a consumação do valor de uso no valor de troca. Para o niilista consumado, ?o mundo verdadeiro tornou-se fábula?, escreve Nietzsche no Crepúsculo dos ídolos. Não, porém, o ?pretenso? mundo verdadeiro, mas o mundo verdadeiro tout court
. Entre tantas armadilhas e fundos falsos do texto de Nietzsche, encontra-se também o seguinte: que reconhecido ao mundo verdadeiro o caráter de fábula, venha a se atribuir à fábula a antiga dignidade metafísica (a ?glória?) do mundo verdadeiro. Assim, à desvalorização dos valores supremos, à morte de Deus, só se reage com a reivindicação de outros valores ?mais verdadeiros?. É essa, lida à luz de Nietzsche, de Heidegger, da consumação do niilismo, a vicissitude do valor de troca na nossa sociedade, àquela vicissitude que ainda parecia, a Marx, só ser definível nos termos moralistas da ?prostituição generalizada?, da dessacralização do humano.
O esforço para ultrapassar a alienação, entendida como reificação, sempre se desenvolveu, no século XX, na direção da reapropriação. Mas a reificação geral, a redução de tudo a valor de troca, é precisamente o mundo transformado em fábula. Esforçar-se para restabelecer um ?próprio? contra essa dissolução é sempre ainda niilismo reativo, esforço para derrubar o domínio do sujeito que, no entanto, se configura reativamente com as mesmas características de força coercitiva próprias da objetividade.
A consumação do ser em valor de troca, o devir fábula do mundo verdadeiro, também é niilismo na medida em que comporta um debilitamento da força coercitiva da ? realidade?. No mundo do valor de troca generalizado tudo é dado como narração, relato (da mídia, essencialmente, que se entrelaça de maneira inextricável com a tradição das mensagens que a linguagem nos traz do passado e das outras culturas. A mídia, portanto, não é apenas perversão ideológica, mas antes uma declinação vertiginosa dessa mesma tradição). Fala-se, a esse propósito, de imaginário social; mas o mundo do valor de troca não tem apenas, e necessariamente, o sentido do imaginário no significado lacaniano não é apenas rigidez alienada, mas pode assumir a mobilidade peculiar do simbólico. O niilismo é chance em dois sentidos. Antes de mais nada, num sentido efeitual, político: a massificação e a ?midiatização?- e, também, secularização, desarraigamento, etc. ? da existência moderna tardia é acentuação da alienação, expropriação no sentido da sociedade da organização total. A ?desrealização? do mundo pode não caminhar apenas na direção da rigidez do imaginário do estabelecimento de novos ?valores supremos?, mas dirigir-se, ao contrário, para a mobilidade do simbólico. Essa chance também depende ? e esse é o segundo sentido do termo ? do modo como sabemos vive-la, individual e coletivamente. A recaída na contrafinalidade está ligada à tendência permanente a viver a ?desrealização? em termos de reapropriação. A emancipação do homem também consiste, decerto, como que Sartre, na reapropriação do sentido da história por aqueles que a fazem concretamente. Mas essa reapropriação é uma ?dissolução?: Sartre escreve que o sentido da história deve ?dissolver-se? nos homens concretos, que, juntos, a constroem.
O niilismo consumado de Nietzsche também possui esse significado; o apelo que nos fala do mundo da modernidade tardia é um apelo à despedida. Esse apelo ressoa justamente em Heidegger, identificado como o pensador (do retorno) do ser. É Heidegger, ao contrário, que fala da necessidade de ?abandonar o ser como fundamento?, para ?saltar? em seu ?abismo?, o qual, porém, na medida em que nos fala a partir da generalização do valor de troca, do Ge-Stell da técnica moderna, não pode ser identificado com qualquer profundidade de tipo teológico-negativo. Escutar o apelo da essência da técnica, todavia, não significa tampouco abandonar-se sem reservas às sua leis e a seus jogos; por isso, creio eu, Heidegger insiste no fato de que a essência da técnica não é algo técnico, e é a essa essência que devemos estar atentos.
A técnica também é fábula . Vê-la nessa relação despoja-a de suas pretensões, imaginárias, de construir uma nova realidade ?forte?, que se possa assumir como evidente ou glorificar como o ontos on platônico. O mito da técnica desumanizante e, também, a realidade desse mito nas sociedades da organização total são enrijecimentos metafísicos que continuam a ler a fábula como ?verdade?. O niilismo consumado chama-nos a uma experiência fabulizada da realidade, que é, também, nossa única possibilidade de liberdade.


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