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Algumas aproximações entre Descartes e Platão (2)


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A perspectiva epistemológica desenvolvida por René Descartes assenta-se sobre uma diretriz profundamente ligada ao ceticismo. Tal ceticismo, conforme poderemos perceber, é levado a níveis extremos quando o autor após haver refutado toda e qualquer percepção apreendida sensorialmente, acaba por tomar como realidade substantiva e determinante o próprio estado de dúvida subjetivo. Esta seria uma influência atribuída aos filósofos pirrônicos, os quais constituíram uma das vertentes mais radicais dos céticos (MAIA NETO, 2006).

Sobre esta questão é correto afirmar que nas Meditações Metafísicas (2001), Descartes percorre um longo caminho a partir do qual começa a indagar-se acerca da realidade do mundo material. Ao fim deste processo, a dúvida surge como realidade interna, e como a prova da existência de um cogito, elemento fundamental do sujeito e ao mesmo tempo, garantia da possibilidade do conhecimento humano. Tal possibilidade se desenvolveria à medida em que a dúvida fosse aplicada a todo e qualquer ente da realidade exterior ao sujeito (já devidamente comprovada por ele nas Meditações), de modo a tornar o conhecimento sobre tal ente absolutamente evidente. O que se coloca então na perspectiva epistemológica cartesiana é uma separação radical entre sujeito e objeto, separação esta que vem a ser a base de toda e qualquer possibilidade de percepção e apreensão do mundo objetivo.

Neste sentido, cabe dizer que para ser bem-sucedida a dicotomia sujeito-objeto enceta por Descartes, esta deveria então ser estruturada a partir de alguns elementos de racionalização, que o filósofo irá denominar preceitos. Para elaborar tais preceitos, os quais seriam o suficiente para que toda e qualquer investigação partisse da dúvida subjetiva e encontrasse o conhecimento desejado acerca do objeto de sua dúvida, Descartes parte para uma análise bastante particular das leis da lógica e da geometria, vindo a formular quatro preceitos ?inalteráveis?. Isto se comprova no seguinte excerto, extraído do Discurso sobre o Método:

<...>em lugar desse grande número de preceitos de que se compõe a lógica, achei que me seriam suficientes os quatro seguintes, uma vez que tornasse a firme e inalterável resolução de não deixar uma só vez de observá-los. O primeiro era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele. O segundo, o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucioná-las. O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-me, pouco a pouco, como galgando degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros. E o último, o de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revisões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir (DESCARTES, 2003, pp. 10-11).

Desta forma, é possível perceber que em uma perspectiva epistemológica cartesiana a ?tomada de consciência? e a apreensão do conhecimento se dão a partir de dois movimentos do ?vetor epistemológico? : a) quando se desloca da esfera subjetiva em relação ao mundo objetivo mediante o exercício da dúvida metódica compreendida no escopo da obediência aos três primeiros preceitos supracitados; b) na reestruturação do conhecimento operada mediante a observação do quarto e último preceito, à qual corresponde as ações de efetuar relações metódicas e revisões gerais acerca dos três primeiros preceitos epistemológicos.

Ambos os filósofos partem do pressuposto de que a razão é o elemento fundamental no que concerne à investigação filosófica e à diretriz epistemológica destes pensadores. O estudo das formas distintas a partir do qual os referidos pensadores chegam à aplicação da racionalidade à especulação filosófica consiste em importante fundamento para a compreensão de algumas das bases conceituais que influenciaram toda a filosofia moderna, a qual vem s sofrer questionamentos mais fortes somente a partir do século 20 com os estudos e trabalhos relacionados ao advento da pós-modernidade.

O modus operandi Platônico no que toca à epistemologia se apresenta nos dias atuais (entre outras coisas) como uma das principais formas de compreendermos os fundamentos da dialética, base necessária para que seja possível (a título de exemplo) um entendimento sólido da maneira a partir da qual autores como Aristóteles, Hegel e Marx se utilizam desta forma de pensar enquanto perspectiva epistemológica.

Por sua vez, o racionalismo cartesiano, especialmente no que se refere à dúvida metódica vem a se constituir em um tipo de reflexão indispensável para que compreenda alguns dos pressupostos epistemológicos mais discutidos na atualidade como, por exemplo: a relação entre sujeito e objeto e a noção de objetividade científica.

BACHELARD, Gaston,. O racionalismo aplicado. Rio de Janeiro, Zahar: 1977.

DESCARTES, René. Discurso do Método (Versão eletrônica, pp. 10-11). Créditos da digitalização: Membros do grupo de discussão Acrópolis, Homepage do grupo: http://br.egroups.com/group/acropolis. Acessado em: 26 de junho de 2008.

MAIA NETO, José, R. AS PRINCIPAIS FORÇAS DOS PIRRÔNICOS? (La 131) E SUA APROPRIAÇÃO POR HUET. KRITERION, Belo Horizonte, nº 114, Dez/2006, p. 237-257.

MONTENEGRO, Maria Aparecida. LINGUAGEM E CONHECIMENTO NO CRÁTILO DE PLATÃO. KRITERION, Belo Horizonte, nº 116, Dez/2007, p. 367-377.

PLATÃO. Dialogos I: Menon, Banquete, Fedro. 21.ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.



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