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Do enunciado à enunciação: postulações teóricas diferenciadas para os mesmos conceitos


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Os constituintes frasais foram, por muito tempo, campo vasto dos estudos lingüísticos. Saber diferenciar com precisão os inúmeros elementos sintáticos, fonológicos e morfológicos que construíam um texto definia o papel da lingüística. Esta era, pois, essencialmente estruturalista, sendo calcada em solo saussuriano. Era de se esperar, assim, que conceitos como enunciado e enunciação não fizessem parte de tal quadro teórico; pelo menos não da mesma forma que os definiam Bakhtin e seu círculo. Para estes, o enunciado é fruto das enunciações feitas, sendo as mesmas processadas dialogicamente e socialmente. Logo, para estudar as enunciações, considerava-se a situação comunicativa realizada entre dois ou mais falantes. Eram relevantes as ideologias presentes, o momento sócio-histórico e cultural, além dos propósitos de cada parte envolvida na interação. A partir da referida mudança de parâmetros nos estudos lingüísticos, seria incoerente continuar estudando os elementos formais isolada e descontextualizadamente. Para Bakhtin, a língua é formada por enunciados concretos, e é tal concretude que efetiva a comunicação entre os utentes de uma língua. A frase, pura e simples, formada por seus termos essenciais, integrantes e acessórios já não despertava interesse para essa nova concepção da linguagem. Entretanto, como tudo que surge fora de um ponto de vista majoritário, havia aqueles estudiosos que continuavam a pensar a língua pelo viés tradicional, mas, agora, com algumas modificações evidentes. Um deles foi Benveniste, a quem é atribuída a responsabilidade de tratar o texto segundo suas marcas formais, que deixavam explícita a subjetividade do produtor textual. Sendo assim, para tal estudioso, a língua é, na verdade, um aparelho formal, ou seja, é formada por elementos lingüísticos, com a diferença que estes caracterizavam o ato comunicativo individual. A grande contribuição de Benveniste foi, pois, a aceitação de um eu no texto ? inadmissível para a linha imanentista pura- o qual se apropriava dos elementos formais da língua para concretizar seu ponto de vista. Tenta unir, portanto, forma e processo enunciativo. Todavia, tal concepção não representou uma grande evolução; continuava, a rigor, presa aos moldes tradicionais, uma vez que o processo enunciativo concebido por Bakhtin centrava-se numa relação dialógica, na qual estariam presentes um EU e um TU, sendo ambos fundamentais para solidificar uma enunciação. Para Benveniste, ao contrário, a enunciação se projetava somente no ato individual, no EU. Logo, a enunciação se limitava a colocar a língua em processamento, através das escolhas formais desse mesmo EU. Desvinculava-se, assim, da proposta bakhtiana. Buscando criticar, de forma negativa ou positiva, os estudos benvenistianos, alguns lingüistas tentaram fazer uma releitura das colocações do estruturalista. Um deles foi Sírio Possenti (2001), o qual afirma que, para Benveniste, o sentido está estritamente na língua, sendo esta entendida como um sistema fechado, fixo. Logo, o sentido não depende da enunciação, não parte da subjetividade dos sujeitos; estando, pois, na relação semiótica Se/So. Possenti argumenta que para o sentido centrar-se no sujeito, como alguns entendem a proposta de Benveniste, seria necessário considerar a intencionalidade do mesmo, não sendo este o ponto alvo da teoria em questão. Possenti, buscando um posicionamento próprio, afirma que a enunciação consiste numa relação entre o dito e o não-dito, isto é, os enunciados são formados por uma mensagem que, por vezes, é omitida por uma outra mensagem implícita, num contínuo jogo de presença/ausência. Existem, dessa forma, outros sentidos possíveis em uma só enunciação, que tentam direcionar o posicionamento do interlocutor. Brait (2005), igualmente, comunga da teoria de Bakhtin e, por conseqüência, da de Possenti, ao afirmar que a enunciação não se dá somente nas marcas formais, mas também nas marcas que denotam a presença de um sujeito social e histórico, apresentando-se através de um discurso, o qual se estrutura a partir de outros discursos e posicionamentos. Já Muzzi (1999) faz uma leitura diferente. Para ela, as marcas formais são escolhidas pelo falante quando este tem em mente a historicidade do discurso. O subjetivismo existe, mas se efetiva apenas em função do contexto vivido. O sujeito está na maneira em que significa o mundo através da referência externa. Muzzi, então, deixa clara a diferença entre o signo, que nada diz a respeito do sujeito, encerrando o sentido em si mesmo e a frase, que denota certas particularidades subjetivas. Opõe-se, sobremaneira, a visão de Possenti, o qual, como foi dito, entende Benveniste tão-somente pelo viés formal da lingual. Sendo assim, vislumbramos um panorama geral acerca das diversas percepções acerca da enunciação, mostrando a contribuição de vários estudiosos para a evolução desse conceito de tamanha complexidade, mas de importância fundamental para se compreender o funcionamento efetivo da língua.


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