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A LEI E O OUTRO


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Se pensarmos sobre o que escolhemos veremos que temos liberdade de escolha e o tamanho da população carcerária é fruto de decisões. Deve-se ter em mente que o controle do crime é uma máquina que gera riquezas a alguns e dor a maioria.

O sistema punitivo é alvo de muitas críticas. Entre elas o fato de ser burocrata e insensível. O processo de compartimentalização onde os vários institutos que formam o sistema punitivo entendem que atuam sozinhos. A polícia, ministério público, magistratura aplicam o direito dentro de suas competências ignorando as possíveis conseqüências da soma de todos os atos juntos.  O contato transitório que tem com os acusados não os permite ver além ?do dever a ser cumprido? e não se sentem responsáveis pelo que acontece ou acontecerá com o acusado.

Nils Christie (Advogado, Professor Titular do Departamento de Direito Penal da Universidade de São Paulo, Presidente do Conselho de Politica Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça) diz que a distancia social tem como conseqüência a atribuição de crimes a certos atos e de criminosos a certas pessoas. Diante das mesmas situações não buscamos a punição de um filho próprio, mas não temos problemas em demandar a punição do filho do outro. Se nosso filho pega balas destinadas a visitas não pensamos em aplicar regras do direito penal mas se uma criança maltrapilha no centro de uma capital nos tenta subtrair alguns trocados para o almoço chamamos a autoridade policial e pedimos sua prisão. Afinal não é conhecido, é filho de outro, da rua.

Por que não punimos nosso filho com o mesmo rigor que punimos o menino maltrapilho? Porque conhecemos nosso filho. Sabemos do contexto dele, que pegou as balas porque achou que a visita não vinha que é um bom garoto em que se pode confiar.

O crime não é qualquer ato, ele é criado, mediado pela distância. Primeiro temos os atos. E depois de um longo processo cultural atribuímos a esse ato uma importância imperiosa atribuindo o significado de crime. O atributo de criminosos deve-se, em grande medida, à avaliação que fazemos dos atos. Nós criamos os crimes.

A pouco tempo defendi um garoto de 19 anos (réu primário, sem passagens anteriores pela Febem, residência fixa, trabalhando, família estruturada) que praticara um crime patrimonial, como muitos outros. Preso em flagrante foi para um distrito policial que abrigava 130 presos por tempo indeterminado embora tivesse sido projetado para abrigar 30. 5 dias depois meu pedido de liberdade provisória foi indeferido e fui comunicar-lhe o ocorrido. Onde havia 130 agora havia 165. Dormiam com as cabeças de uns contra os pés dos outros. Em algumas celas era preciso fazer revezamento para dormir, pois não havia espaço para todos dormirem durante a noite. Muitos tinham doenças de pele e alguns estavam tuberculosos e sem assistência médica. Audiência reservada com advogado era impossível porque os outros presos poderiam pensar ter sido ele o culpado pelo fracasso da ultima tentativa de fuga e pôr assim sua integridade física em risco. Na audiência de interrogatório do réu, reiterei o pedido de liberdade aludindo a razões pragmáticas, jurídicas e humanas. A magistrada ignorou todas especialmente as ultimas alegando que essa era a realidade carcerária do país e que todos os presos da cidade eram submetidos as essas condições.

Pensei: será que se o filho fosse dela a indiferença burocrática e a distância seriam as mesmas?

Nas sociedade primitivas os atos eram avaliados por Deus. Com o desenvolvimento das sociedades as avaliações foram substituídas por homens, clãs e tribos. Será que hoje as avaliações foram substituídas por pela moderna e mecânica eficiência de formas de vigilância indiferentes e eqüidistantes da lei e de seus burocratas operadores? O crime como expressão de um conflito não é mais entendido pelos juristas que se baseiam nas normas e são impedidos de questioná-las. As discussões acerca das determinações sociais, razões existenciais, estruturais e conjunturais que condicionam a pena foram neutralizadas. A sensibilidade humana que deveria ser (e talvez um dia foram) a prioridade da justiça hoje foram trocadas pelos paradigmas da lei.

É preciso que os operadores do direito reflitam sobre o sistema carcerário não de forma insensibilizada como esta atualmente mas como indivíduos capazes de escolhas e decisões, socialmente responsáveis por tal situação.


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