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Diários de Motocicleta


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Drama social. Argentina. Em 4 de janeiro de 1952, o jovem estudante de medicina Ernesto Guevara e o amigo, o bioquímico Alberto Granado, lançam-se numa viagem pelo continente latino-americano, a fim de conhecer aquilo que só sabem dos livros. Montados numa motocicleta que, apesar de batizada como "La Poderosa", está caindo aos pedaços, a dupla planeja seguir da Argentina até a Venezuela, percorrendo em 4 anos os oito mil quilômetros que separam os dois países. A viagem, que nos primeiros momentos renderia divertidas situações, se revelará no entanto uma experiência além do passeio turístico, quando Guevara e Granado, ao travarem contato com a relação desigual entre os mineradores chilenos e a multinacional que controla a região, começam a conhecer a miséria e a injustiça, gerando um sentimento de revolta que só fará crescer até a chegada ao leprosário de San Pablo, na Amazônia peruana.

O Ministério da Saúde poderia advertir a nossos jovens que viagens pelo interior do país (ou do continente) fazem bem para a formação social. Aos 23 anos, Ernesto Guevara de la Serna era um tímido e desengonçado rapaz de classe média, muito longe do mito que se tornaria, ao liderar com Fidel Castro a Revolução Socialista Cubana e tomar parte na luta revolucionária internacional, até ser executado em 1967, na Bolívia. Hoje Guevara é símbolo de rebeldia no mundo inteiro, e sua cara barbuda e adornada com uma boina se tornou a imagem mais estampada pelas camisetas do planeta. Foi essa viagem, realizada junto com o amigo gordinho e gaiato Alberto, que germinaria no ainda estudante o sentimento de revolta contra a miséria, a desigualdade e a injustiça, tanto através do contato físico quanto pelas leituras que o acompanhavam a cada cidade onde vinha parar. Mais do que revolta, havia também em Guevara uma determinação em mudar esse estado de coisas, coisa rara de ser ver em tempos atuais de ignorância, comodismo e salve-se quem puder. Hoje, tudo aquilo que o futuro revolucionário combatia piorou, a miséria que se escondia no interior veio para a cidade, e para vê-la basta pôr o pé fora de casa. Por que não surgem então dezenas de "Ches", um em cada esquina? Porque o leprosário que antes era confinado em ilhas distantes mudou de lugar, e agora está dentro de nós.

Na cadeira de diretor, o brasileiro Walter Salles parece sentir-se em casa. Trabalhando novamente com o que deve ser seu gênero favorito, o filme-de-estrada, e que já lhe rendeu a obra-prima Central do Brasil, Salles desta vez ampliou seus horizontes, e, da terra natal, trouxe ao público a beleza assustadora da paisagem de nossos vizinhos latino-americanos. Mas o espectador acostumado com seus filmes só deve estranhar o idioma, pois há muito de familiar em Diários de Motocicleta: estão lá a mesma paixão pelo ser humano, o mesmo prazer em descobrir e revelar, a mesma câmera intimista, mostrando de forma quase romântica (por mais que documental) aquela gente que nos passa despercebida e cujo simples ato de sobreviver as faz maiores do que os que as roubam, maltratam ou apenas ignoram. Salles tem os olhos voltados sempre para eles, e seus personagens acabam indo na mesma direção. O rito de passagem por que passam Guevara e Granado é também tema recorrente na obra do cineasta, sendo que aqui foi maior a preocupação em que essa passagem fosse a mais sutil possível, visto que o personagem retratado é uma figura histórica cujo destino o público já conhece. Assim, procurou-se de humanizar ao máximo a figura do Che, e para isso Diários de Motocicleta inicia leve e engraçadinho. Trapalhadas como as quedas de "La Poderosa", confusões com mulheres (e seus respectivos maridos) nas cidades por onde passam, o tiro no pato, o cachorrinho chamado Come Back. Tudo isso serve para, além de gerar identificação com os simpáticos protagonistas, desviar a expectativa de quem assiste para a gradual mudança narrativa. O filme aos poucos vai ficando denso, primeiro com a senhora doente que Guevara vai tratar. Depois com os mineradores. E quando se dá conta o espectador já está diante de um jovem que diz ao amigo que "uma revolução sem armas é impossível".

Diálogos de Motocicleta tem uma narrativa correta, correta até demais. Previsíveis, as seqüências no início não escondem a função de ocupar o tempo até a segunda metade do filme, e não têm sustentação própria. Chega a surpreender como um narrador sensível e inteligente como Salles não foi capaz de construir momentos melhores do que a estada dos protagonistas na casa de Chichina, a namorada de Ernesto que depois o abandona. E é curioso como, e isso já foi dito por outros críticos, ao tentar humanizar o mito, Salles só fez aumentá-lo, afastando-o de qualquer complexidade. Por mais que bem interpretado pelo simpático Gael García Bernal, o Guevara de Walter Salles é bonzinho, muito bonzinho, muito ético e valente até o fim. Não tem indecisões, jamais recua, não erra, e ainda arrisca-se ao se atirar nas águas geladas de um rio, à noite, para juntar-se aos leprosos. Mais um pouco e, no lugar de nadar, Guevara caminharia sobre as águas. Seus únicos momentos de humanidade são durante as crises de asma, uma delas fortíssima e angustiante, com o barulho da respiração pesada entrando pelos ouvidos do espectador e por pouco não o levando a sufocar junto com o protagonista.

Há em Diários... uma proposta claramente política, e esta não é glorificar Che Guevara ou propor a luta armada. No único discurso proferido em todo o filme, Ernesto faz uma declaração de amor à América Latina e a seu povo, e incita as freiras, os médicos, enfermeiros e leprosos ao redor rumo ao caminho da necessária integração do continente. A mensagem, mais oportuna e atual impossível, já vinha sendo transmitida desde o começo do filme / viagem, e ao explicitá-la Salles obteve, aqui, seu momento de maior emoção e importância, de que seqüências seguintes, como as das imagens em preto-e-branco das pessoas vistas pelo caminho, ou mesmo a do rio, seriam apenas confirmação. A destacar, ainda, a atuação de Rodrigo de la Serna, primo em segundo grau de Che Guevara na vida real: seu Alberto Granado, mais do que engraçadinho, é tudo aquilo que falta a Ernesto. Com demonstrações de fraqueza, egoísmo e sarcasmo alternando com a profunda admiração pelo amigo, Alberto termina por tornar-se figura mais convincente do que o próprio Che.


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