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Diadorim, RIOBALDO, ROSEBUD E NON; OU LÓGICA E ONTOLOGIA - PARTE I


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I

?Todo conhecimento humano começa com intuições, passa a conceitos e termina com ideias.?
(Kant)

Foi diante de uma situação inusitada e de alguns gratificantes encontros com a literatura brasileira que me surgiram questionamentos sobre natureza e abrangência do signo linguístico. Creio que estas indagações podem ser investigadas sob a óptica da filosofia.
As indagações são: a linguagem é universal? Pode a linguagem dar conta do drama humano? A linguagem pode ser uma personagem? Por que o signo não pode ser literalmente aquilo que significa? Quais as contribuições da lógica para a semiótica?
A situação inusitada que vivenciei ocorreu durante uma jornada científica com tradução simultânea do idioma inglês para o português. Num dado momento, o palestrante, após uma fala rápida, ri e silencia à espera de uma reação pertinente dos ouvintes. O tradutor diz: piada intraduzível, riem senão eu perderei o emprego! A plateia atende a solicitação e se evita constrangimentos para o palestrante.
Certos provérbios populares e palíndromos são intraduzíveis para o idioma inglês e, talvez, só tenham significado para os países de língua portuguesa. Vejamos alguns exemplos: ?quem casa quer casa? e ?socorram-me subi no ônibus em Marrocos?. Atente para o poema Não te Amo Mais de Carlos Drummon de Andrade:

Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.

Sinto dentro de mim
Que você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.

Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
Jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais.

(Agora leia de trás para frente)

Lendo-se as frases que compõem o poema de trás para frente temos uma declaração de amor e, no sentido em que foi escrito, o sentido faz jus ao título. Portanto, temos as mesmas letras, palavras e estrutura gramatical nos legando sentidos distintos.
A repercussão desse poema é vasta e nos leva às questões inerentes à psicanálise, onde Lacan postulou que o inconsciente se manifesta na linguagem, que o analista ouve o analisando com um terceiro ouvido e, na abrangência deste escrito, às contribuições da lógica à semiótica. Para aprofundar a colocação do problema, se pode a linguagem dar conta do drama humano, remeto-me a Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas nas palavras de Riobaldo:

?Diadorim dizia: ? Não posso ter alegria nenhuma, nem minha mera vida mesma, enquanto aqueles dois monstros não forem bem acabados...

Mas Diadorim, conforme diante de mim estava parado, reluzia no rosto, com uma beleza ainda maior, fora do comum. (...) Mas repeli aquilo. (...) De que jeito eu podia amar um homem, meu de natureza igual, macho em suas roupas e suas armas, espalhado rústico em suas ações?! Me franzi. Ele tinha a culpa? Eu tinha a culpa? Eu era o chefe. O sertão não tem janelas nem portas. E a regra é assim: ou o senhor bendito governa o sertão, ou o sertão maldito vos governa... Aquilo eu repeli?

Eu dizendo que a Mulher ia lavar o corpo dele. Ela rezava rezas na Bahia. Mandou todo mundo sair. Eu fiquei. E a mulher abanou brandamente a cabeça, consoante deu um suspiro simples. Ela me mal-entendia. Não me mostrou de propósito o corpo. E disse... Diadorim ? nu de tudo. E ela disse: - A Deus dada. Pobrezinha...

(...) Que Diadorim era o corpo de uma mulher, moça perfeita... Estarreci. A dor não pode mais do que a surpresa. A côice d?arma, de coronha...?

Grande Sertão Veredas foi traduzido para o alemão e grandes foram as dificuldades semânticas devido ao vocabulário regionalista do sertão mineiro, aos neologismos, marca de Guimarães Rosa. Porém, outra questão é mais desafiadora, os leitores germânicos entenderam, equivocadamente, que Grande Sertão Veredas se tratava de um romance épico, de luta no sertão, quando o cerne da questão é um doloroso drama humano: o paradoxal amor de Riobaldo por seu/(sua) colega de cangaço.
A genialidade de Guimarães Rosa já se manifesta por um certo nominalismo, ao chamar a personagem central por Diadorim, que sinaliza, como na abertura da ópera ?A Força do Destino? de Verdi, o drama humano que está por vir. Observe o nome Diadorim, segmentado em Dia/Dor/Im e relacione-o com as citações extraídas do romance. Com cautela pode-se interpretar que o nome Diadorim, tomado como signo linguístico, nos remete ao íntimo sofrimento cotidiano da personagem que se travestiu de homem para sobreviver no sertão e cumprir os seus intentos de vingança.
Riobaldo, que rio é esse, tão baldio? Alma vazia, em busca do amor que é e não é ao mesmo tempo, que não se resolve, a dor da ambivalência psíquica. 
Nas mãos de Guimarães Rosa, a linguagem é uma personagem, e o mesmo ocorre com a metalinguagem usada por Joyce, em Ulisses.
Sully Prudhomme, prêmio Nobel de 1901, no livro Pensamentos, nos fornece o seguinte parâmetro para subsidiar está investigação filosófica:




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